Hidrocoloide – Generalidade

Os hidrocolóides são curativos contendo agentes semipermeáveis de poliuretano em formato de placas gelatinosas com partículas hidro ativas de carboximetilcelulose sódica (NaCMC), pectina e gelatina. 

Fonte da Imagem: https://www.tradeindia.com/fp4015866/Hydrocolloid-Wound-Dressing.html

São normalmente embalados em placas ou espuma de poliuretano, autoadesivas algumas e impermeáveis à água na face oposta à ferida. De acordo com cada fabricante, a superfície de contato com a ferida pode apresentar variações. 

Estão disponíveis em placas mais finas ou mais espessas em múltiplos formatos com vistas à topografia da ferida (conforme pode ser visto na imagem acima).

Pode ser encontrado também em forma de pasta ou gel para uso também no preenchimento de determinadas feridas cavitárias.

Os Hidrocolóides atuam por interação com os exsudatos formando um composto úmido gelatinoso e viscoso entre o curativo e o leito da ferida; este composto propicia o desbridamento autolítico, otimizando assim a formação do tecido de granulação. 

Por outro lado, acredita-se que, proporcionando uma cobertura das terminações nervosas presentes no leito das feridas, os hidrocoloides também auxiliam na diminuição da dor, muito embora os mecanismos que lhes conferem esse atributo ainda não estejam bem elucidados. 1
Por ocasião de sua retirada percebe-se a presença de componente líquido parecido com pus e a emissão de odor característico às vezes bastante intenso. Convém esclarecer o paciente que pode achar que a ferida piorou.

Os hidrocolóides diminuem os eventos infecciosos na medida em que oferecem certa barreira bacteriana. Outrossim, é preciso estar atento para a possibilidade de proliferação de anaeróbios em determinados pacientes.

Baseado no princípio de que o mais importante não é o que se põe na ferida (pomadas, curativos, etc), mas o que se tira delas (necrose, infecção, pressão, etc), nos casos acima foram usados calçados com palmilhas customizadas para pé de diabéticos com neuropatia.

Indicações principais:

  • Curativo primário ou secundário em feridas com exsudato mínimo ou moderado.
  • No formado gel ou pasta pode ser aplicado em feridas tunelizadas.

Vantagens:

  • Propicia desbridamento autolítico
  • Dificulta a invasão bacteriana
  • Pode reduzir a dor
  • Fácil de aplicar e auto aderente ao entorno
  • É de fácil modelagem ao local e não adere ao leito úmido da ferida
  • Capacidade de absorção de leve a moderada
  • Pode ser utilizado criteriosamente sob terapia compressiva
  • Reduz o trauma em áreas sob terapia compressiva – às vezes usamos para proteger saliências ósseas e tendinosas onde não há ferida (uso off label)
  • Pode ser cortado
  • A troca pode ser feita de 03 a 07 dias (de acordo com as características da ferida e o volume de exsudato)

Desvantagens:

  • Pode aderir fortemente à pele com possibilidade de trauma ao ser removido, razão pela qual sua remoção deve ser feita com os devidos cuidados. Atenção especial quando aplicado sobre pele friável.
  • Com o calor e a fricção, amolece e perde o formato
  • Pode provocar hipergranulação (granulação hipertrófica)
  • Não aplicável em feridas com espaços cavitários (exceto no formato pasta)
  • Os hidrocoloides em contato com o exsudato podem exalar um odor desagradável que lhe é peculiar e isto, ás vezes, é referido pelo paciente. Cabe ao assistente distinguir e diferenciar do odor característico de infecção.

Obs.: Os hidrocolóides já são conhecidos e utilizados há mais de 20 anos e, segundo Sasseville e cols., apesar de raros, alguns podem provocar dermatite de contacto na pele do entorno decorrente de substâncias usadas para conferir maior adesividade ao curativo.

Desaconselhável em:

  • Queimaduras e feridas secas
  • Feridas com exsudato abundante
  • Feridas com franca infecção
  • Pele do entorno da ferida: muito friável, com eczema ou muito macerada
  • Feridas com exposição de músculos, tendões ou estruturas ósseas
  • Alguns fabricantes desaconselham o uso em vasculite ativa

Produtos usados em nossa experiência:

  • DuoDERM® CGF® Dressing – ConvaTec
  • 3M™ Tegaderm™ Hydrocolloid Dressing – 3M Health Care
  • Comfeel® Plus Ulcer Dressing – Coloplast Corp.
  • Cutimed® Hydro B (Border) – BSN medical, Inc.
  • NU-DERM™ Hydrocolloid DressingKCI – An Acelity Company
  • Suprasorb® H – Lohmann & Rauscher

Leituras recomendadas:

1. Nemeth AJ, Eaglstein WH, Taylor JR, et al. Faster healing and less pain in skin biopsy sites treated with an occlusive dressing. Archives of Dermatology, Vol 127, November 1991, pp 1679- 1683.

2. Thomas, S., Hydrocolloids Journal of Wound Care 1992:1;2, 27-30

3. Sasseville D, Tennstedt D, Lachapelle JM: Allergic contact dermatitis from hydrocolloid dressings. Am J Contact Dermat 1997 Dec;8(4):236-238

4. Hess CT: Clinical Guide Wound Care (Fifty Edition). Lippincott Williams & Wilkins – 2005

Uso do mel em feridas crônicas

No livro do Dr. Guido Majno (imagem ao lado), que dedicou muitos anos de sua vida estudando os tratamentos usados na antiguidade, ele nos informa que as propriedades do mel são conhecidas há séculos e foram utilizadas para o tratamento das mais variadas enfermidades, aí incluídas as feridas crônicas. Insuportavelmente caro, o livro pode ser adquirido neste endereço digital.

Na verdade, a utilização medicinal do mel tem uma história de muitos milénios. É algo realmente muito antigo.. Uma simples consulta na internet nos fornecerá dados dando conta do uso do mel para tratamento de problemas digestivos, infecções e feridas crônicas desde o ano 400 aC.

Muito embora essas propriedades medicinais do mel remontem à antiguidade, apenas recentemente ressurgiu o interesse pelo seu uso no tratamento das feridas.

As propriedades antimicrobianas do mel estão documentadas na literatura médica desde o século 19, entretanto o seu uso mais intensivo nas feridas conta com publicações mais recentes, a partir do início do século XX.

Ocorre que, com o advento dos antibióticos, particularmente a penicilina (Alexander Fleming em 1928), o interesse pela utilização do mel no combate às infecções diminuiu, ficando o seu uso no território dos tratamentos ditos populares, sendo frequentemente substituído pelo uso do açúcar.

Entretanto, na medida em que o uso abusivo e generalizado dos antibióticos evoluiu para o caos da resistência bacteriana que não sabemos aonde vai nos levar, ressurgiu no meio científico um renovado interesse pelo uso do mel no tratamento das feridas crônicas.

Se, por um lado, muitos trabalhos publicados mostram resultados positivos do uso do mel nas diferentes fases da cicatrização, por outro, há ainda muita confusão sobre que tipo de mel tem essa capacidade de otimizar a evolução do processo cicatricial. Dependendo da variedade da flor de onde as abelhas colhem o néctar, existem em torno de 300 tipos de mel. Imagine!

Dentre todos eles, o mel de Manuka vem despertando especial interesse nas pesquisas. Trata-se de um mel que se origina da polinização das flores de Manuka (Leptospermun), árvore nativa da Nova Zelândia e da Austrália. As folhas dessa árvore são usadas pelos povos indígenas da Nova Zelândia há séculos.

Os estudos publicados referem que este mel tem ação antibacteriana diferenciada de outros tipos de mel, agindo sobre a formação dos biofilmes que deterioram a cicatrização.

Uma busca na internet com as palavras “mel, feridas, tratamento” certamente vai resultar numa infinidade de material publicado. Obviamente, a grande maioria sem o menor rigor científico que possa gerar credibilidade. Boa parte dessas publicações sequer informam qual a origem ou tipo de mel que está sendo utilizado.

Encontrei um trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sobre os efeitos do uso tópico do mel da abelha silvestre Melipona subnitida na evolução de feridas infectadas de pele“. Trata-se de um trabalho experimental em feridas provocadas em ratos. AMelipona subnitida é uma abelha silvestre comum no nordeste Brasileiro.

Os autores concluíram que o uso tópico de mel de Melipona subnitida em feridas infectadas da pele de ratos estimulou a resposta imunológica, reduziu a infecção e o tempo de cicatrização. Mais detalhes desta publicação podem ser encontrados AQUI. A pesquisa foi publicada em 2008 e não temos conhecimento de desdobramentos práticos sobre o tema.

Não dispomos no Brasil, exceto em sites de importação, o mel de Manuka para uso medicinal e em feridas, muito embora tenha o seu uso efetivo em vários serviços especializados em alguns países. Convém salientar que o preço torna o produto inacessível para o padrão médio de nossos pacientes. Se quiser matar a curiosidade pesquise por Manuka Honey. Por outro lado, não se trata de uma solução indispensável. Trata-se apenas de uma ferramenta a mais que ganhou espaço no tratamento de determinadas feridas.

Algumas ideias de leitura:

  • Livro: The healing hand: Man and wound in the ancien world – Guido Majno
  • Properties of honey: its mode of action and clinical outcomes – Jackie Stephen Haynes, Rosie Callaghan – Wounds UK, 2011, Vol 7, Nº 1
  • Antibacterial activity of Manuka honey and ist components: An overview – AIMS Microbiol. 2018; 4(4): 655–664.Published online 2018 Nov 27

Mau odor em feridas crônicas

Regra geral, o mau odor ou mau cheiro proveniente das feridas crônicas decorre dos tecidos necrosados ou da invasão bacteriana. Trata-se de uma situação degradante para a qualidade de vida do paciente e para a sua relação familiar e social e que precisa ser abordada com muita objetividade pelos profissionais de saúde.

Precisamos estar atentos para o fato de que algumas coberturas – especialmente os hidrocolóides – podem exalar um cheiro desagradável que provém da sua interação química com o exsudato e pode gerar apreensão do paciente. Nessa perspectiva, ao usar coberturas de hidrocoloide convém alertar o paciente.

Avaliação do odor

Além de se levar em consideração a percepção do paciente e das pessoas do seu relacionamento, o odor deve ser avaliado em dois momentos: antes mesmo da retirada do curativo secundário e eventuais bandagens, e também após a retirada dos curativos, porém antes de sua higienização ou limpeza.

Não há uma escala reconhecidamente estabelecida para quantificar o mau odor de uma ferida. Entretanto há décadas muitas publicações e serviços admitem empiricamente o seguinte escalonamento:

Intensidade Característica
Muito forteodor intolerável (mesmo antes de manipular o curativo)
Moderadoo odor é percebido, porém tolerável
Mínimoodor quase imperceptível (mesmo estando próximo do paciente)
Ausenteo odor não é percebido em nenhuma circunstância
Tabela: Escala empírica aceita pelos estudiosos do assunto

Devemos considerar que até o momento não temos conhecimento de nenhum dispositivo de medição dos odores, muito embora já existem tecnologias capazes de identificar os microrganismos com base no odor dos gases que produzem.

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Clínica de feridas: o que não pode faltar

Diante da quantidade de dispositivos – coberturas, curativos, equipamentos vários, etc. – disponíveis para o tratamento de feridas crônicas, todos os que se dedicam a esse segmento do atendimento à saúde precisam tomar decisões racionais sobre o que é efetivamente imprescindível para atender essa demanda.

É inegável que cuidar de pacientes portadores de feridas crônicas não se resume a fazer e trocar curativos.

À excessão do câncer de pele, sabemos que as feridas crônicas de dificil cicatrização representam a manifestação de uma patologia de fundo ou se cronificam em decorrência de enfermidades que interrompem a dinâmica da cicatrização.

O vídeo a seguir é um esforço de compartilhamento da experiência de longos anos e que procura responder à uma questão recorrente entre os que dedicam ao atendimento desses pacientes: O QUE NÃO PODE FALTAR NUMA CLINICA DE FERIDAS?

Hidrogel em feridas – um recurso indispensável

Hidrogel é um composto constituído de algo em torno de 95% de água. Portanto, se alguém perguntar qual o ingrediente básico do hidrogel, a reposta é AGUA!
O hidrogel é formado por uma rede de cadeias poliméricas altamente hidrofílicas. São redes complexas de polímeros entrecruzados com grande capacidade de “aprisionar água”( Imagem de microscopia eletrônica no site https://www.nisenet.org/catalog/scientific-image-hydrogel-scaffold).

Neste vídeo procuro compartilhar a importância prática da utlização dos hidrogéis. Trata-se de uma ferramente que não pode faltar em um serviço dedicado aos cuidados com o leito das feridas crônicas.

Coberturas não aderentes

São curativos cuja função principal é proteger os tecidos do leito das feridas contra eventuais danos que possam ser causados por determinados curativos. Sabemos que as gazes, habitualmente utilizadas, aderem firmemente ao leito das feridas. A retirada dessas gazes provocam o que é habitualmente chamado de desbridamento não seletivo: ou seja, podem trazer consigo, além dos debris indesejáveis, elementos necessários ao processo cicatricial. Outros curativos, tais como carvão, espumas, etc, podem também provocar danos semelhantes.

A interposição de coberturas não aderentes tem, portanto, a função de proteger o leito das feridas contra as eventuais agressões que possam ser provocadas também no momento da troca desses curativos.

A cobertura não aderente ideal deveria apresentar as seguintes características:

  • facilidade de adaptação ao formato do leito ulcerado bem como à topografia da lesão
  • fácil de aplicar sobre a ferida
  • pode ser removida com facilidade, sem provocar trauma e com o mínimo de dor
  • não deixa resíduos no leito da ferida
  • não provoca danos à pele do entorno nem traumatiza o leito; pode ser usada em peles frágeis e friáveis
  • permite que o exsudato se exteriorize para o curativo secundário
  • permite que componentes do curativo secundário migrem para o leito, interagindo com a ferida

Regra geral essas coberturas são compostas de algodão sintético, acetato de celulose ou  polietileno; algumas contém petrolato, outras são siliconizadas, vaselinadas ou parafinadas; todas elas mantendo a característica comum de não aderência ao leito da ferida.

Quando utilizar

As coberturas não aderentes, em princípio, na qualidade de CURATIVO PRIMÁRIO,podem ser utilizadas na grande maioria das feridas. É uma excelente escolha como a primeira camada de contato com a ferida na medida em que minimiza o trauma por ocasião das trocas. Não se aplicam em feridas muito fundas ou cavitárias, situação em que podem perder a sua função principal diante da possibilidade de migrar para o interior da lesão. Podem ser úteis mesmo em feridas muito exsudativas, na dependência da qualidade do curativo secundário escolhido, considerando que o exsudato abundante pode migrar pelas malhas da cobertura para a região de pele sadia e propiciar maceração. Nestes casos, cuidar para que a malha não aderente não exceda muito os bordos das lesões. Os casos de reações alérgicas ao produto são extremamente raras e não me recordo de nenhum episódio desse tipo.


O vídeo abaixo compartilha nossa experiência com as coberturas de malhas não aderentes. Veja, se desejar.