Como é nascer em uma casa de parto no Brasil

São vinculadas ao SUS e apresentam indicadores impressionantes a respeito das melhores práticas recomendadas pela OMS e pela ciência. Em um país onde cesáreas são regra, destacam-se pelo respeito e acolhimento. Por que, então, continuam a ser subutilizadas?

Fonte: OUTRASAUDE por Gabriela Leite

O Brasil amarga uma taxa de partos por cesariana muito superior ao necessário. 59,6% dos nascimentos são realizados por meio desta técnica, percentual distante do recomendado pela OMS, entre 10% e 15%. Isso se dá, sobretudo, por uma “cultura hospitalocêntrica, medicalizada e médico-centrada” que não tem base científica e não se mostra mais eficaz ou mais segura. É o que pontua o artigo “Indicadores de monitoramento e avaliação dos Centros de Parto Normal Peri-hospitalares: resultados do estudo Nascer nas Casas de Parto do Brasil”, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, vinculada à Fiocruz, parceira editorial do Outra Saúde.

As pesquisadoras analisaram uma experiência que se coloca no oposto da lógica de parto hospitalar: os Centros de Parto Normal Peri-hospitalares (CPNp) do Brasil. São unidades de saúde voltadas a nascimentos de risco habitual, que têm como objetivo “proporcionar um ambiente acolhedor e seguro, onde as gestantes podem vivenciar o parto de forma humanizada e com o mínimo de intervenções”. Hoje, há apenas oito no país, mas os indicadores evidenciados pelo estudo mostram que são fundamentais para garantir saúde às mães e bebês.

O Brasil ainda está longe de alcançar a meta de redução da mortalidade materna estabelecida para 2030: é preciso que caia abaixo de 30 mortes por 100 mil nascidos vivos, mas a razão ainda é de 68,1. Segundo o Ministério da Saúde, solucionar esse problema passa tanto por melhorar a frequência e qualidade do pré-natal quanto garantir uma assistência ao parto digna

As Casas de Parto foram regulamentadas em 2015 mas, dez anos depois, só estão presentes em sete unidades da federação (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Pará e Distrito Federal). Espera-se que o cenário já esteja começando a mudar: governo Lula incrementou recursos, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para a construção de 30 novos centros de parto normal até 2026.

Evidências de que os CPNp seguem os melhores parâmetros e oferecem um bom atendimento às mães e aos recém-nascidos ficam muito claras nos números. No período de um ano, os oito centros registraram 3.097 partos. 96,9% foram feitos por enfermeiras obstétricas ou obstetrizes, prescindindo de um médico, fato que “está associado a maiores chances de parto vaginal espontâneo e satisfação materna, bem como de menor taxa de partos instrumentais, redução de nascimentos pré-termos e de perdas e mortes fetais e neonatais”, segundo o estudo. 

presença de acompanhante, outro fator essencial para garantir segurança e conforto às mulheres na hora do parto, aconteceu em 98,7% dos casos. Embora esse indicador esteja melhorando de forma geral, “a relevância deste dado se deve ao fato de instituições hospitalares ainda restringirem ou até impedirem a presença de acompanhantes”, pontuam as pesquisadoras. 

Menos intervenções desnecessárias

As casas de parto também registram menores taxas de intervenções no parto. Nesse quesito, fica claro como se distanciam da lógica médica e do que acontece na maior parte dos hospitais brasileiros. Por exemplo, a episiotomia, procedimento cirúrgico em que se realiza um corte no períneo para ampliar a abertura vaginal, não é recomendada e não há evidências de que é necessária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, a pesquisa Nascer no Brasil I descobriu que, nos hospitais avaliados, a prática está presente em 56% dos partos – já bastante acima dos 10% recomendados pela OMS. Enquanto isso, nas casas de parto normal, a episiotomia é realizada em apenas 0,4% das parturientes.

Outros dois procedimentos foram feitos em números reduzidos nas CPNp: a amniotomia (ruptura artificial da bolsa amniótica) e a estimulação com ocitocina (hormônio que aumenta as contrações uterinas). A média foi de 15,7% e 7%, respectivamente – nos hospitais brasileiros, chega a 40,7% e 38,2%. As duas intervenções devem ser feitas apenas quando estritamente necessário, recomenda a OMS.

A posição da mãe no momento do parto também foi analisada pelo estudo Nascer nas Casas de Parto do Brasil. Em geral, se pratica a posição litotômica nos hospitais: aquela em que a mulher fica deitada na maca, com as pernas elevadas. Mas ela também não é aconselhada pela OMS, que recomenda que a posição seja escolhida pela mulher. Mais uma vez, números devastadores nas maternidades em geral: apenas 6,7% dos partos são feitos em posições verticalizadas, as mais recomendadas por trazerem benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê. Nos CPNp, são regra: 60,2% dos bebês nascem de partos em posição vertical.

Um modelo de sucesso, inexplorado

Ou seja, o modelo das casas de parto brasileiras, vinculadas ao SUS, oferece “às mães e bebês uma assistência segura, respeitosa, humano-centrada e baseada nas melhores evidências científicas”. Mas ainda assim são subutilizadas. O estudo constatou que os CPNp registraram, em média, uma ocupação de apenas 48,5% de sua capacidade mensal. Segundo as pesquisadoras, a hipervalorização das cesarianas e a percepção de que o parto com menos risco é aquele feito nos hospitais “retira das parturientes e bebês saudáveis a possibilidade de vivenciarem seus partos e nascimentos em um CPNp, instituição cujo ambiente e assistência são seguros e apoiados pelas melhores evidências científicas”.

O artigo reconhece que as recentes mudanças na atenção materna e infantil promovidas pelo Ministério da Saúde, com a chamada Rede Alyne, começam a dar passos importantes. “Houve ênfase na urgência de implementação de um novo modelo de cuidado obstétrico e perinatal para a redução da mortalidade materna no país (especialmente da população negra) e para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, pontuam. Em uma iniciativa da sociedade civil, a Rede Nacional Feminista de Saúde lançou, recentemente, um manifesto chamado “Reforma obstétrica já!”, que reforça a urgência dessas mudanças. São passos importantes, e os Centros de Parto Normal Peri-hospitalares podem ser um instrumento essencial para alcançar as mudanças necessárias.

Poderá o CFM servir à saúde pública?

Eleições para o Conselho Federal de Medicina acontecem em duas semanas, e a classe médica tem uma missão: tirar do poder representantes que se aliaram ao reacionarismo anticientífico, viraram as costas ao SUS e fecharam-se à participação social


Fonte: OUTRA SAUDE por Gabriel Brito

Foto: Wilson Dias/Agência BrasilFoto: Wilson Dias/Agência Brasil

“Nos últimos 5 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) serviu como satélite de políticas públicas empreendidas pelo governo Bolsonaro. Tentou através de resoluções coibir os médicos de exercer seu mister de acordo com a legislação vigente.” É assim que o médico Alex Romano, candidato à cadeira de conselheiro federal de medicina no Rio de Janeiro, define a atuação do órgão federal que deveria regular o exercício da medicina.

O que se viu ao longo dos últimos anos, inclusive antes da ascensão de Bolsonaro, foi uma autarquia em pé de guerra com sua própria função institucional e alheio a parâmetros básicos de saúde coletiva.

A poucos dias das eleições para o CFM, que acontecem entre os dias 6 e 7 de agosto, médicos de chapas oposicionistas à atual gestão falaram ao Outra Saúde sobre a necessidade de retomar o órgão das mãos de uma minoria de fanáticos que o teria sequestrado a partir de uma série de interesses privados e suas agendas.

“O CFM tem de participar de instâncias de controle social, ser aberto ao diálogo, e isso tem acontecido muito pouco. Por isso nos organizamos para disputar essa eleição, o que foi saudado por muita gente que vinha ignorando os processos internos do órgão”, afirmou a médica e professora Silvia Uehara, candidata da oposição no Mato Grosso do Sul.

O órgão se tornou um descarado palanque de um conservadorismo fanático e anticientífico, em especial na pandemia, quando bancou as fraudes de Bolsonaro a respeito do tratamento precoce para covid, indicando remédios nocivos ao organismo, e foi omisso na defesa de políticas sanitárias amplamente defendidas pela comunidade médico-científica. Mas não é só isso: o CFM também se afastou das instâncias de elaboração política e participação social.

“Várias comissões do CFM, como de saúde da mulher, nunca tiveram uma reunião agendada. Outras se reuniram pela última vez em 2019. Precisamos mudar isso. O Conselho Federal de Medicina está fora do Conselho Nacional de Saúde, abriu mão dessa participação democrática e do debate ético e científico. Fora do Conselho Nacional de Saúde, ele não participa de comissões importantes de forma assídua, como, por exemplo, da Comissão Nacional de Residência Médica”, criticou Uehara.

Polarização inevitável

Como notado pela sociedade, as eleições do órgão ganharam conotação especial e se tornaram mais uma inegável expressão da polarização ideológica que marca o Brasil.

No Rio de Janeiro, onde Alex Romano concorre, tal simbologia é até mais fácil de identificar. Sua chapa tenta derrubar o atual conselheiro Rafael Câmara Parente, secretário de Atenção Primária à Saúde no governo Bolsonaro. Ou seja, uma peça chave na maior crise sanitária do país, que, segundo pesquisadores e entidades como a Abrasco, pelo menos 300 mil mortes poderiam ser evitadas.

Se diante do maior desafio de sua vida o ex-secretário pouco apareceu ao público, ao fim do governo do capitão se revelou um virulento ideólogo da extrema-direita de jaleco. Suas manifestações raivosas e politizadas são frequentes em artigos, a exemplo de um, recém-publicado na Gazeta do Povo, no qual acusa “o PT de acabar com a medicina”, sem apresentar quaisquer argumentos.

Entre outros disparates, afirma que os cubanos que vieram à primeira edição do programa Mais Médicos eram “agentes infiltrados” e os governos petistas teriam incentivado a prática da medicina por pessoas não diplomadas. No entanto, ao acabar com o Mais Médicos e fracassar na implantação do Médicos pelo Brasil, o Ministério da Saúde do qual foi um dos principais líderes nada fez para facilitar a revalidação de diploma de 15 mil profissionais estrangeiros disponíveis no país. Tal inação foi decisiva para a geração de vazios assistenciais que deixaram até metade da população sem acesso efetivo ao SUS. Por fim, disse que a nova edição do programa, com recorde de inscritos e novidades em termos de progressão de carreira, seria inaceitável.

Graça a figuras deste tipo e sua atuação notoriamente sabotadora, o CFM hoje se revela um “perigo à sociedade”, como afirmou ao Outra Saúde o médico ginecologista Olímpio Moraes.

“Desde a época da pandemia, quando estimulou a cloroquina, não colocou freio nas fake news, fez homenagens a ministro da saúde negacionista, deixou mentiras antivacina rolarem soltas… Eles rasgaram todo o código de ética médica. É uma coisa terrível, porque a história do CFM sempre foi uma história de orgulho para a classe médica, de defesa do Código de Educação Médica”, falou Moraes a este boletim.

Posteriormente, e provavelmente de olhos nas eleições, o órgão passou a se inocentar da responsabilidade do avanço do PL 1904, que acabou conhecido como PL do Estupro e foi publicamente execrado. Mas basta visitar as redes sociais de Câmara Parente para ver como o CFM se orgulha de atacar o direito ao aborto legal. Isso se reflete, por exemplo, na perseguição a tal serviço e seus profissionais em São Paulo – cujo prefeito é o bolsonarista Ricardo Nunes.

“O aborto é permitido no Brasil no caso do estupro, mas 95% da população não tem acesso ao serviço. E não temos um CFM que cobra ampliação do serviço com atendimentos dignos, pelo contrário, estimula o não atendimento. O CFM deveria ser interditado, a autarquia deixou de proteger a sociedade, virou um perigo”, atacou Olímpio Moraes, candidato ao conselho em Recife.

Nesse caso, o STF teve que suspender resolução do CFM que limita o acesso ao aborto legal. De todo modo, às vésperas das eleições, os bolsonaristas que fizeram do órgão seu próprio aparelho político, tentam se vender como amigos da ciência e da saúde pública. Nos últimos dias, o órgão tenta divulgar ações mais simpáticas ao público. Uma delas é a solicitação à Anvisa de liberação do fenol para tratamentos de câncer. Outra iniciativa foi o convite ao vice-presidente da república, Geraldo Alckmin, para a 16ª edição da Conferência Mundial de Bioética, Ética Médica e Direito da Saúde, que ocorre entre 24 e 26 de julho em Brasília e promete “debates de altíssimo nível”.

Além disso, alega ter pedido à Polícia Federal investigação a respeito do disparo ilegal de mensagens de campanha nesta semana, destinada a médicos com direito a voto, que receberam mensagens contra as chapas tidas como “esquerdistas” para o pleito de São Paulo. Isso já tinha acontecido na eleição para os conselhos regionais no ano passado, entre outros abusos de poder e cerceamento de opositores, mas nada aconteceu após a vitória de chapas conservadoras.

Precarização da profissão e representatividade

Como destacou Uehara, o CFM evitou ao máximo o debate nos últimos anos, ao se isolar de instâncias plurais de elaboração técnica e se afirmar como “espaço seguro” de fanáticos políticos sem respaldo na própria categoria que deveria representar – em especial no serviço público.

“Queremos trabalho seguro e decente, conforme as orientações da Organização Internacional do Trabalho, carreira única de Estado para que os médicos possam trabalhar em menos vínculos, com salário decente, tempo para se atualizar e condições de participar em congressos, que se tornaram muito caros. Esse financiamento pode ser tripartite, com contribuição municipal, estadual e federal, como já acontece, por exemplo, no pagamento das bolsas dos profissionais providos pelo Mais Médicos”, defende.

Conforme recapitula Alex Romano, o órgão deve voltar a se concentrar em sua função essencial, isto é, balizador do exercício da profissão, e não um ente que se atribui funções políticas e jurídicas que cabem a outras instituições, como o próprio Ministério da Saúde.

“O CFM é uma instância superior aos conselhos regionais, onde os processos julgados são revistos. Também normatiza através de resoluções a prática médica no país. Segundo a lei de 3268/57 cabe ao CFM exercer a fiscalização do exercício ético-profissional da medicina. O CFM tem que ter uma agenda que privilegie o Sistema Único de Saúde, onde 70% dos médicos brasileiros trabalham. Precisa representar todos os médicos e não uma parte”, resume.

Silvia Uehara, por sua vez, acrescenta que a questão da representatividade de gênero é outra barreira a romper, mais ainda após as agressões do órgão tomado por homens bolsonaristas à saúde da mulher nos últimos anos – o que se atesta através de diversos indicadores oficiais, como o aumento das mortes maternas.

“São 28 representantes titulares. Dos 28, apenas 8 são mulheres. E pelo próprio levantamento da Demografia Médica do Conselho Federal de Medicina com outras instituições de saúde, em 2035, a gente vai ter mais de 70% da força de trabalho de medicina representada por mulheres. A partir de 2024, há 50,2% de mulheres na força de trabalho”, afirmou.



Fonte: OUTRA SAUDE por Gabriel Brito

Joinville vai começar a usar bactéria wolbachia no combate à dengue

O município de Joinville, em Santa Catarina, vai começar a produzir mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria wolbachia, para ajudar a combater a dengue na cidade. A expectativa é iniciar a soltura dos primeiros mosquitos Wolbitos ainda no mês de julho

Expectativa é soltar os primeiros mosquitos ainda no mês de julho

Publicado em 02/07/2024 – 20:47 Por Douglas Corrêa – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro


O município de Joinville, em Santa Catarina, vai começar a produzir mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria wolbachia, para ajudar a combater a dengue na cidade. A expectativa é iniciar a soltura dos primeiros mosquitos Wolbitos ainda no mês de julho. 

A Biofábrica do Método Wolbachia, que foi entregue nesta segunda-feira (1º) pela prefeitura, começou a receber equipamentos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que serão instalados nas próximas semanas.

A bactéria, que está presente em 60% dos insetos da natureza e não causa danos aos humanos, impede que os vírus, não só da dengue, mas de zika, chikungunya e febre amarela urbana se desenvolvam nos insetos, contribuindo para redução das doenças. Os wolbitos serão liberados em Joinville e vão se reproduzir com os Aedes aegypti locais. Aos poucos, eles estabelecerão uma nova população de mosquitos que não transmite dengue e outras doenças.

“Nos últimos dez anos, este projeto amadureceu do ponto de vista científico e tecnológico e mostrou efetividade nos locais em que foi implantado, com uma redução significativa das arboviroses, notadamente a dengue. Isso ficou muito claro este ano, pois proporcionalmente Niterói teve um número bastante reduzido de casos de dengue, comparando com o Rio. O mesmo ocorreu em Petrolina e em Campo Grande, quando comparadas com as cidades do entorno”, explica o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS) da Fiocruz, Marco Krieger. 

Além de Joinville, o projeto está em fase de engajamento nas cidades de Londrina e Foz do Iguaçu (PR). Em fases anteriores, o método já foi implantado nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói (RJ), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG) e Petrolina (PE). Em seguida, o projeto se estenderá para as cidades de Uberlândia (MG), Presidente Prudente (SP) e Natal (RN).

O método de controle das arboviroses foi desenvolvido na Austrália e, atualmente, está presente em mais de 20 cidades de 14 países. Os dados de monitoramento revelam que os wolbitos estão se estabelecendo em níveis muito positivos nos territórios. Na Austrália, houve redução de 96% nos casos de dengue no país.

Edição: Sabrina Craide

Roraima, capital da gravidez infantil

É no chão social que o Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra-se uma “ameaça à sociedade”, como definiu ao Outra Saúde o ginecologista Olímpio Moraes, ao comentar a atitude da autarquia em relação ao direito ao aborto. Como mostrou matéria da Folha de S. Paulo, a decisão ilegal do órgão (por extrapolar sua própria competência), que tentou vetar a prática de assistolia fetal em gestações fruto de estupro a partir de 22 semanas, repercute de forma negativa onde os dados de gravidez precoce já são alarmantes. É o caso Roraima, dominado politicamente por aliados do bolsonarismo. O índice de gravidez infantil é o mais alto do país: 6,25 em cada 1000 meninas engravidam após sofrer estupro — um índice quase três vezes maior que a média nacional e comparável ao da África Subsaariana.

Ainda assim, o único hospital do estado que realizava o aborto legal nestes casos (o Nossa Senhora de Nazaré) deixou de fazer a assistolia, após a resolução do CFM. Além disso, foi dissolvida a comissão responsável pelo procedimento no estado. Nem aliminar do STF que suspendeu a resolução do CFM foi capaz de reverter o retrocesso. O governador, Antonio Denariun, já foi alvo de sete pedidos de impeachmentacusado de crimes como fraudes, superfaturamento de contratos, desvio de recursos públicos, formação de milícia e e envolvimento em esquemas de agiotagem, grilagem de terras e apoio ao garimpo ilegal em terras indígenas.

Fonte da matéria: OUTRAS PALAVRAS

Ozempic: o que significará o fim de sua patente?

Publicado em OUTRA SAUDE Autoria da publicação: Gabriela Leite

Uma droga relativamente nova tornou-se onipresente nas editorias de saúde dos principais jornais brasileiros e internacionais. Também toma conta das redes sociais e notícias de fofoca, por ter virado febre entre famosos. Até Lula e Janja estão usando as canetas injetáveis, alardeia a imprensa. O novo elixir é mais conhecido por sua marca principal: Ozempic. Mas a substância presente nos medicamentos leva o nome de semaglutida, uma mimetização do hormônio GLP-1, produzido no intestino e no cérebro com a função de regular os níveis de glicose no sangue.

A semaglutida foi criada visando o tratamento da diabetes tipo 2. Ela estimula o pâncreas a liberar insulina quando os níveis de glicose no sangue estão elevados, ajudando a regular a glicose no sangue após as refeições. E, diferente de drogas mais antigas, não provoca o aumento de peso. Na verdade, tem o efeito contrário: ao estimular a sensação de saciedade por um período muito mais longo que o GLP-1 natural produzido pelo corpo, é muito eficaz no emagrecimento. Estima-se que seu uso constante, aliado a dieta e exercícios físicos, pode reduzir o peso de uma pessoa em 10% após um ano. Há sinais, ainda não comprovados, de que pode ser também auxílio poderoso no combate a enfermidades do coração, fígado e rins.

O Ozempic, frequentemente referido como remédio arrasa-quarteirão, representou uma pequena revolução na indústria europeia. A responsável por sua fabricação – e detentora de sua patente – é a Novo Nordisk, empresa dinamarquesa com mais de 100 anos, maior produtora de insulina do mundo. Com a semaglutida, a corporação chegou a outro patamar: recentemente, seu valor de mercado alcançou 570 bilhões de dólares – maior que o PIB de seu país de origem. Tornou-se a maior empresa da Europa, ultrapassando a LVMH, que fabrica produtos de luxo como as bolsas Louis Vuitton, o champagne Veuve Clicquot e a marca de joias Bvlgari. Agora, seu reinado pode estar chegando ao fim.

O mundo alcança níveis de sobrepeso e obesidade alarmantes, e seus principais responsáveis, além do sedentarismo, são os alimentos ultraprocessados – formulações alimentícias industriais extremamente pobres mas cheias de aditivos químicos para ressaltar seu sabor e aparência. Pão de forma, macarrão instantâneo e salgadinhos são apenas alguns exemplos da miríade de ultraprocessados disponíveis nos supermercados. São baratos, práticos e apetitosos. Em um mundo empobrecido e acelerado, e impulsionados pelo lobby da indústria alimentícia, espalharam-se e geraram lucros vultosos. Também são – veja só – altamente causadores de doenças crônicas como a diabetes. Nesse contexto, o Ozempic e similares encontraram seu lugar ao sol.

Mas há uma barreira importante para sua disseminação: seu altíssimo custo. Protegido por patentes, o uso mensal do medicamento chega a custar 935 dólares, nos Estados Unidos. Há alguns meses, o senador estadunidense Bernie Sanders abriu uma investigação para descobrir como seu preço é determinado – há estimativas de que o custo de produção seja menos de 5 dólares por caneta. No Brasil, seu preço mensal varia de R$ 994,03 a R$ 1.308,32, a depender da tributação de cada estado. Não está disponível no SUS, embora já haja casos de pacientes que entram na justiça para recebê-lo pelo sistema público.

É justo ou aceitável impor um preço tão alto por uma droga potencialmente revolucionária para tratar a diabetes tipo 2, uma doença cuja taxa global é de 183 por 100 mil? Mas esse cenário pode se transformar rapidamente, num período próximo. Isso porque a patente da Novo Nordisk está prestes a chegar ao fim em países importantes. É o caso de duas enormes nações com indústria farmacêutica entre as mais avançadas do mundo: Índia e China. Neles, as normas que proíbem a produção da semaglutida expiram em 2026. E ambos estão prontos para aproveitar-se da situação e oferecer o medicamento por preços muito mais acessíveis.

Quando o Ozempic foi autorizado na China, em 2021, abriu-se à Novo Nordisk um mercado gigantesco. Suas vendas duplicaram. Estima-se que o país terá 150 milhões de pessoas com obesidade e 540 milhões com sobrepeso em 2030. Mas a indústria chinesa está fortemente preparada para o dia em que a patente deixar de existir: há ao menos 15 versões genéricas sendo preparadas pelas farmacêuticas locais – 11 em estados avançados de testes clínicos, segundo levantamento da Reuters. A Novo Nordisk procura estender sua propriedade por mais tempo, mas há pouca esperança de que isso aconteça. Na verdade, há chances de que a patente caia até antes.

Uma matéria da Nature ajuda a compreender a importância do investimento das indústrias chinesa e indiana no processo. Busca-se, além de produzir a versão genérica da semaglutida, desenvolver biossimilares: substâncias que se assemelham muito ao produto de referência e são derivados de organismos vivos modificados, como leveduras. Há, ainda, a busca por medicamentos novos: “A ambição não é apenas ter um produto mais barato, mas ter algo que seja tão bom, senão melhor”, afirmou Guy Rutter, um consultor da indiana Sun Pharmaceuticals, à revista. Quanto ao preço, as estimativas são animadoras. Abhijit Zutshi, diretor comercial da gigante indiana Biocon, estima que pode cair de 50% a 90%. 

Produzida em países do Sul Global, essa transformação no mercado de medicamentos para diabetes tipo 2 e para obesidade pode ter grande impacto no mundo. Como expõe uma série de reportagens (123) publicada por Outra Saúde, a indústria de medicamentos indiana é conhecida como “a farmácia do terceiro mundo”. Para chegar ao patamar de 9ª maior produtor farmacêutico, o país desafiou e pressionou as regras dos países abastados e da Organização Mundial do Comércio. Suas exportações para as nações africanas e asiáticas garantem que esses países sigam abastecidos com remédios que não seriam adquiridos nos preços impostos pelas farmacêuticas ocidentais. Hoje, companhias privadas pressionam por adoção de modelo de negócios similar ao do Ocidente, o que pode representar um risco ao fornecimento de remédios aos países empobrecidos. Mas a indústria segue pujante.

No Brasil, a patente da semaglutida também chega ao fim em 2026 – mas a regressão industrial das últimas décadas foi arrasadora, e o país não tem a mesma chance de seus parceiros do BRICS. Em 2021, a Novo Nordisk pediu à Justiça a prorrogação do prazo da propriedade intelectual do medicamento, mas foi negada pela 5ª Turma do TRF-1. Um medicamento semelhante para o tratamento da diabetes, a liraglutida, expira neste primeiro semestre de 2024. Há expectativa no mercado de que empresas transnacionais vendam os genéricos chineses e indianos no país.